terça-feira, 18 de janeiro de 2011

POLÍTICAS REACIONÁRIAS NA DISCUSSÃO DO WELFARE STATE: uma inserção das teorias sociais malthusianas no debate contemporâneo


INTRODUÇÃO

Após ler o Ensaio sobre o princípio da população em seus efeitos na melhoria futura da sociedade, com considerações sobre a especulação do senhor Godwin, senhor Condorcet e outros escritores (primeira edição, 1798), de Thomas Robert Malthus, Charles Darwin registraria a seguinte anotação, em seu diário de 1834: “ocorreu-me de imediato que, nessas circunstâncias, adaptações favoráveis tenderiam a ser preservadas, e as desfavoráveis, destruídas. Aqui, portanto, eu havia finalmente conseguido uma teoria com que trabalhar” (apud Browne, 2007, p. 52-3). Cerca de uma década depois, no prefácio de sua Origem das Espécies, explicaria Darwin que, em parte, sua teoria não era senão a doutrina de Malthus aplicada com grande ênfase ao reino animal e vegetal como um todo.
É plausível que se tenha aqui uma antecipação de alguns pontos da teoria da evolução darwiniana, ainda que os perfis intelectuais de Malthus – economista político com formação sacerdotal na Igreja Anglicana – e de Darwin – naturalista bem inserido na Inglaterra Vitoriana, mas pouco afeito aos ritos religiosos – apontem mais para divergências do que para convergências. “Certamente, ele [Malthus] não punha em questão sua fé na doutrina criacionista (...), e a teoria da evolução das espécies nem se colocava para ele” (Feijó, 2007, p. 151).
Mas merece destaque a incorporação por Darwin de um argumento, central, malthusiano: o da necessidade do ajuste dos seres humanos às condições da natureza, que são espontâneas e impõem limites à disponibilidade de recursos disponíveis para a sua sobrevivência. À base desta constatação, e postulando que “a paixão entre os sexos é necessária e permanecerá aproximadamente em seu presente estado”, Malthus formularia o seu clássico princípio que apontava a discrepância entre o crescimento da população e o da oferta de meios de subsistência. “Uma ligeira familiaridade com números mostrará a imensidade da primeira capacidade comparativamente à segunda” (Malthus, 1982, p. 56).
Certos da persistência das teorias sociais de inspiração malthusiana, nosso objetivo será ‘reler’ a sociedade no universo ideológico de Thomas Robert Malthus à base da abordagem de Albert O. Hirschman da intransigência ante as reformas sociais.


REFERENCIAL TEÓRICO

A ‘intransigência’ malthusiana

Para as classes laboriosas, o princípio da população malthusiano seria a base para uma exortação moral – incluída a partir da segunda edição do Ensaio – à “prudência no casamento”, vista como medida de contenção do crescimento populacional, e, por esta via, da pobreza. Não havia, com efeito, espaço no pensamento de Malthus para uma defesa das ajudas paroquiais aos pobres, bem como das medidas governamentais de assistência à pobreza, as Poor Laws da Inglaterra de seu tempo. Ao contrário: seu impacto seria uma redistribuição da renda que, ao alterar padrões de consumo (dos pobres, que ademais impulsionaram o crescimento populacional) e poupança (dos ricos), se mostraria perniciosa para o progresso material da sociedade – malgrado o alívio da “intensidade da desgraça individual” (Malthus, op. cit., p. 66) que pudessem proporcionar.
Dado que “o preço da mão-de-obra, quando se permite encontrar seu nível natural, é um barômetro político dos mais importantes, expressando a relação entre a oferta e a demanda de provisões” (op.cit., p. 74), qualquer movimento no sentido de uma redistribuição de renda distorceria o mercado. Assim, devido às Leis dos Pobres, os subsídios ao consumo pressionariam a demanda pelas “provisões consumidas nas casas de trabalho por uma parte da sociedade que não pode, em geral, ser considerada como a mais valiosa” (op. cit.: 76), com o que diminuiria “a porção que, de outra forma, pertenceria a membros mais industriosos e valiosos” (idem ant.: 77) e aumentaria o número de pessoas dependentes. Em outros trechos do Ensaio a concepção malthusiana dos trabalhadores – identificados à parte da sociedade “que não pode, em geral, ser considerada como a mais valiosa” –, é bem menos eufemística: mesmo quando a eles se apresenta a oportunidade de poupar, “raramente a utilizam; mas, falando de maneira geral, tudo o que ganham acima de suas necessidades presentes vai para a cervejaria” (op. cit., p. 78).
É certo que o Ensaio representou um ataque não só às concepções progressistas de Godwin e Condorcet – pensadores sociais que defendiam a melhoria na condição de vida das pessoas mais pobres da sociedade “pela ação de uma política social e pelo aprimoramento de instituições sociais tais como o casamento e o direito de propriedade” (Feijó, op. cit., p. 150); atacou, sim, e fundamentalmente, a crença iluminista na melhoria da condição humana que representavam. Aqui o alvo preferencial seria Condorcet que era um adepto direto das idéias que inspiraram a Revolução Francesa e tinha uma visão muito bem determinada sobre a igualdade entre os indivíduos dentro da nação.
Para que os fins deste trabalho sejam atingidos, é importante compreendermos em que fatores Malthus se baseia para argumentar que, no médio e no longo prazo, o crescimento populacional desenfreado seja devidamente controlado. Primeiramente, deve-se salientar que nosso autor interpretava o controle populacional como fruto de leis naturais; e que essas mesmas leis sempre fragmentariam a sociedade em classes. Em segundo lugar, a natureza atuaria de dois modos distintos para controlar a explosão demográfica: inicialmente entrariam em ação os fatores controladores que Malthus chamava de controles preventivos, que por sua vez alterariam a taxa de natalidade, por exemplo: esterilidade, abstinência sexual ou ainda o controle de nascimentos. Em seguida apareceriam os controles positivos que ampliariam as taxas de mortalidade como, por exemplo, pragas, miséria e guerras. Se, por acaso, esse controles por alguma razão falhassem, as classes pobres seriam vitimadas, e pela mais temível das ameaças naturais: a fome decorrente da baixa produtividade agrícola em detrimento da grande demanda por alimentos prevista por Malthus. Tudo isso garantiria a estabilidade da população dentro da oferta de alimentos.
As críticas malthusianas às chamadas Leis dos pobres ficariam evidentes em muitos de seus escritos e principalmente no seu Ensaio sobre a população, especificamente das partes intituladas: Sobre as leis de amparo aos pobres (capítulos V, VI e VII). Tendo em vista a classificação de Malthus entre os economistas clássicos, é muito clara sua idéia a respeito da relação direta existente entre um aumento da renda da classe trabalhadora e a ampliação dos preços de mercado. Nesse aspecto, no que diz respeito à relação entre oferta e demanda, pode-se dizer que a teoria malthusiana supera as análises de Ricardo em determinados pontos. Nosso autor percebeu que existia uma possibilidade de o aumento no número de compradores, proveniente da ampliação da renda, estimular os trabalhos produtivos e conseqüentemente ampliar o produto total da Inglaterra, contudo, nas palavras do próprio autor:

Poder-se-ia, talvez, observar que o aumento do número de compradores de cada artigo traria um estímulo aos trabalhos produtivos e que o produto total da ilha seria aumentado. Mas isso seria mais do que contrabalançado pelo estímulo que estas riquezas fantasiosas dariam ao crescimento populacional; e o produto ampliado seria dividido entre um número mais do que proporcionalmente ampliado de pessoas. (Malthus, op. cit., p. 67)

A principal forma de fugir desse pauperismo extremo seria a virtuosidade moral, que infelizmente não estava presente nas classes pobres – cuja  punição seria a sua contenção pela miséria e pelo vício. De um modo geral, podemos afirmar que Malthus transferia a culpa da situação degradante em que vivia a maioria da classe trabalhadora do sistema sócio-econômico vigente para um processo “natural” da sociedade em expansão. Por essa razão qualquer ajuda ou subsídio dado aos pobres seria inócuo já que a sociedade estava fadada a tais leis naturais. Por fim, cabe anteciparmos uma citação do próprio autor que será de vital importância para entender a análise a que este trabalho se propõe, ainda dentro da discussão sobre as ajudas as classes pobres. Malthus enxergou a possibilidade dessas provisões não chegarem ao seu destino final por uma série de fatores, tais como o seu desvio para uso privado (em festejos, por exemplo). “Todos concordam em que, de uma maneira ou de outra, ele deve ser muito mal administrado...”

Modelo democrático e das evoluções na esfera da cidadania

O modelo democrático é, sem dúvida, o sistema de governo mais difundido no mundo contemporâneo; essa grande difusão, principalmente ocidental, pela qual passou esse modelo obscureceu de certo modo aspectos que são passíveis de muitas críticas e que, segundo alguns autores, se ampliam a cada dia. Entre essas críticas uma pode ser notada com freqüência nas democracias mais antigas e estáveis: a falta de uma comunicação sistemática entre os grupos sociais, em particular, entre progressistas e reacionários. Esse isolamento pode acarretar uma série de entraves e discussões mal elaboradas por parte desses grupos e, consequentemente, conclusões precipitadas sobre várias formas de políticas públicas. No entanto é importante frisar que o próprio sistema democrático se estrutura em boa parte sobre grupos com opiniões divergentes acerca de questões políticas básicas. A partir do momento em que tais grupos se isolam dentro do sistema, certas dúvidas surgem a respeito de como o outro grupo chegou a se desenvolver e possuir determinado poder.
Hirschman (1992) nos remete a três importantes dimensões do conceito de cidadania desenvolvidas pelo sociólogo inglês T. Marshall: civil, política e social. Segundo Marshall, as sociedades humanas mais ilustradas confrontaram com êxito cada uma dessas dimensões, conquistando na cidadania civil, por exemplo, liberdades de palavra, religião e outra série de liberdades individuais além dos “Direitos Humanos” de um modo mais geral. A cidadania política desenvolveu-se bastante no século XIX com os direitos dos cidadãos a participar do exercício do poder político, que era estendido a camadas cada vez mais amplas da sociedade. Por fim, no século XX o Welfare State estendeu o conceito de cidadania para as esferas social e econômica, ao reconhecer que condições mínimas de bem-estar para os cidadãos eram extremamente necessárias para que houvesse um pleno exercício dos atributos civil e político citados anteriormente. Essa afirmação dos direitos da cidadania pensada por Marshall e a idéia que a luta nas esferas econômica e social estava muito próxima de terminar vitoriosamente sob a liderança do partido trabalhista (políticas de seguridade social) na Inglaterra foi alvo de várias críticas desenvolvidas por autores posteriormente. O fato é que no meio das contra-investidas colocadas pelos críticos e as idéias de Marshall desenvolveram-se lutas sociais e políticas convulsivas que, na maioria das vezes, levavam a recuos dos programas progressistas e a muito sofrimento e pobreza humana. Analisando essa alternância de ações e reações, Whitehead observaria: “Os grandes avanços da civilização são processos que quase arruínam as sociedades em que ocorrem.”

METODOLOGIA

A pesquisa é de natureza exploratória, tendo se baseado em técnicas de documentação indireta (pesquisa bibliográfica).

RESULTADOS

Mostra-se de suma importância analisar mais detidamente o papel das reações aos sucessivos avanços e principalmente a terceira onda reacionária que se traduz na crítica contemporânea ao Welfare State, mostradas de forma profunda na obra de Albert O. Hirschman.
A primeira reação é o movimento que se opôs a ideia de igualdade perante a lei e dos direitos civis em geral, sua análise baseou-se principalmente nas idéias plantadas pela Revolução Francesa e pela oposição contemporânea a todas as obras daquela. Sem dúvida que qualquer oposição à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão era motivada mais pelos eventos que levaram a sua publicação que pelo texto em si. Os críticos contra-revolucionários radicais recusaram-se a fazer distinções entre aspectos positivos ou negativos da revolução. De um modo geral, havia uma crítica muito forte dos textos que os revolucionários mais se orgulhavam.
A segunda onda reacionária se opôs à ideia do sufrágio universal. Nesse aspecto as críticas eram muito divergentes visto que, o processo de participação se deu de forma muito gradual. Pregavam-se os vícios que um sistema de ampla participação política poderia trazer e os perigos extremados que atingiam a sociedade como fruto do processo de democratização. Pode-se atribuir a essas teorias uma participação relevante na destruição da democracia na Itália e da Alemanha no período entre guerras e talvez, também pela virada antidemocrática da Revolução Russa.
Chegamos finalmente à terceira onda reacionária, que prioriza a crítica moderna ao Welfare State e a tentativa de se fazer recuar alguns de seus aspectos, que é o ponto chave do presente trabalho.
Em A Retórica da intransigência, Hirschman desenvolve, simetricamente à teoria de Marshall, três idéias fundamentais que ele próprio chama de teses para se analisar os mecanismos utilizados pelos reacionários com o objetivo de derrubar as políticas e os movimentos de idéias “progressistas” ,quais sejam: tese da perversidade, tese da futilidade e a tese da ameaça. Tais argumentos não são utilizados exclusivamente pelos reacionários, podem ser utilizados por qualquer grupo que se oponha ou tenha críticas a uma nova política colocada em vigor, inclusive por progressistas quando fizerem parte da oposição. Para o desenvolvimento deste trabalho devemos analisar fundamentalmente a chamada tese da futilidade que se baseia num sistema estagnado, não passível de mudanças.

Análise e aplicação da tese da futilidade em diferentes frentes

Este elemento do arsenal reacionário tem algumas características interessantes. Talvez a principal deles seja a simplicidade do próprio conceito, de um modo geral a tese da futilidade baseia-se em uma idéia de estagnação. Ao contrário da tese da perversidade, onde se prega que qualquer tentativa de mudança profunda na sociedade levará essa em uma direção oposta ao planejado, a tese da futilidade nos diz que qualquer tentativa de mudança social se torna irrelevante, pois toda mudança será, em grande medida, de fachada. Dito de outro modo, as raízes profundas do sistema social vigente permanecerão inalteradas. Albert O. Hirschman nos apresenta alguns exemplos interessantes da utilização dessa idéia; primeiramente é citada a análise feita por Tocqueville sobre a Revolução Francesa e as mudanças supostamente trazidas para a França e disseminadas pelo mundo por seus idealizadores que, segundo o autor citado, estariam em grande parte presentes já durante o período monárquico; entre elas podemos destacar a centralização administrativa, a agricultura em pequena escala e os direitos dos cidadãos.
Uma forma simples de se compreender a idéia da futilidade é atentar para o fato de que “se quisermos que tudo continue como está é preciso que tudo mude” (Lampedusa, 1959, p. 42.). Outro exemplo bastante elucidativo pode ser analisado na esfera política quando os reacionários pregam que uma transição de sistemas predominantemente hierárquicos para um sistema democrático não trará uma maior participação popular no processo político, visto que cada sociedade independente de sua organização política sempre estará dividida entre governantes e governados. O autor italiano Gaetano Mosca escreve de modo bastante direto e esclarecedor sobre o tema: “Seja qual for o caso, uma candidatura é sempre obra de um grupo de pessoas unidas por um propósito comum, uma minoria organizada que, fatal e inevitavelmente, impõem sua vontade à maioria desorganizada” (apud Hirschman, op, cit., p. 51). Portanto, autores como Gaetano Mosca, Vilfredo Pareto, entre outros, acreditam que “tanto na esfera política como na econômica, as aspirações democráticas estão condenadas à futilidade já que vão contra a ordem imanente das coisas” (idem ant., ibid., p. 54).

CONCLUSÃO

Nesta seção faremos algumas considerações sobre o estado atual do Welfare State, mesclado às ideias malthusianas e à tese hirschmaniana da futilidade:
          Os efeitos reacionários analisados anteriormente estão ligados a um dogma central presente principalmente na economia: a ideia de um mercado que se auto regula. Na medida em que essa idéia é dominante qualquer política que tenha por objetivo interferir nesse mercado (como é o caso dos programas destinados aos pobres) torna-se uma influência nociva em processos benéficos de equilíbrio.
Malthus tem uma visão bem determinada de como o status quo social é assegurado no longo prazo. Sua teoria de como os salários são determinados no curto e no longo prazo tornam fácil o entendimento da tese da futilidade dentro do Welfare State pelo autor. Malthus concorda que no curto prazo os salários são determinados pelas relações de oferta e demanda dentro do próprio mercado; no entanto, no longo prazo, os salários tendem a se equilibrar em um nível de subsistência por uma tendência inerente a qualquer sistema sócio econômico. Em um curto período de tempo os salários iriam oscilar entre um nível de equilíbrio pelas diferenças entre a oferta e a demanda no mercado de trabalho. Enquanto o salário permanecer acima desse nível de equilíbrio a parte pobre da população tende por sua falta de “virtuosidade moral” a ampliar o número de filhos e a esbanjar o dinheiro extra adquirido. Quando o salário estiver abaixo do nível de equilíbrio os pobres terão um meio forte de contenção do crescimento já que a baixa renda não permitirá uma elevação do padrão de vida nem da quantidade de filhos. De um modo geral, o salário tenderá a um nível fixo depois de certo período, dessa forma o próprio mercado auto-regulador controlará o bem estar social. Não há, portanto espaço para a intervenção de políticas públicas que tentem modificar a situação social vigente; qualquer tentativa nesse sentido será inócua.
Analisemos, do ponto de vista malthusiano, o que uma ampliação na renda dos pobres, por exemplo, causaria: primeiramente, por razões citadas anteriormente, o número de filhos tenderia a se ampliar o que elevaria, a priori, os preços dos bens disponíveis piorando a situação de outras classes sociais; a situação da classe pobre não iria se alterar, pois, tenderia por razões naturais (principalmente da oferta de mão de obra) a ficar num estado de estagnação. Visto deste modo, por mais bem intencionadas que sejam as ações políticas do Estado, a situação dos pobres estaria sempre dentro da esfera de atuação da tese da futilidade. Deve-se destacar mais uma vez a inclinação moral das classes pobres para o ócio, que era um ponto de vista muito vigente entre autores consagrados na época de Malthus, como Tocqueville, Burke ou Defoe que se referiam principalmente as Poor laws vigentes na Inglaterra da época e era um ponto fundamental para entender a não adequação desses autores ao Welfare State.
É fato que a visão reacionária, no tocante ao auxílio aos pobres, esta presente mesmo no século XX como podemos notar nas palavras do autor Charles Murray que faz um dos ataques mais contundentes ao Welfare State nos Estados Unidos em sua obra Losing Ground, de 1984: “Tentamos prover mais para os pobres e em vez disso produzimos mais pobres. Tentamos remover as barreiras para escapar da pobreza e inadvertidamente construímos uma armadilha.”
O trecho descrito acima está mais próximo da tese reacionária da perversidade onde uma ação com intuito de mudança social leva a sociedade a caminhos divergentes do esperado. A tese da futilidade se encaixa, de fato, antes desse processo de ajuda; mais exatamente no ponto onde o suposto auxílio é transferido para as classes pobres. “Nesse aspecto surge outra crítica possível. E se as transferências de pagamento de fato nunca chegarem aos beneficiários aos quais se destinam”?(Albert Hirschman, retórica da intransigência pág. 57). Desse modo se puder ser provada alguma plausibilidade no argumento citado haverá uma inversão dos papéis: os argumentos a favor do Welfare State poderiam ser considerados fraudulentos e seus críticos se tornariam passíveis de compaixão, enquanto seus defensores seriam acusados de beneficiar os interesses particulares de outrem.
Obviamente, a ideia descrita no parágrafo anterior é passível de críticas como, por exemplo, o fato de que para esses supostos desvios existirem seja necessário um nível razoável de corrupção dentro do próprio Estado. Os Estados Unidos, por exemplo, buscam evitar isso desenvolvendo métodos de avaliação financeira para que se garanta que o auxílio chegue a quem de fato necessita. No entanto, o presente artigo busca identificar atualidade das idéias malthusianas dentro da discussão do Welfare State e nesse aspecto, a visão reacionária pode ser invocada em grande extensão. Para alguns reacionários as ideias sociais de Malthus podem ser bem vistas dentro de economias emergentes onde a pobreza se mostra em sua face mais dramática. Existe ainda a defesa de métodos de controle populacional e a idéia da não intervenção estatal apregoada para esses países que em grande medida apresentam altos níveis de corrupção pública. No Brasil, por exemplo, grande parte da oposição política do governo critica os auxílios sociais colocados em prática pelo atual governo para ampliar o bem estar das classes mais necessitadas e questionam fortemente os resultados de tais políticas para o desenvolvimento econômico do país. O caso do setor imobiliário em outros países também é bastante esclarecedor nesse sentido: as habitações subsidiadas pelo governo que originalmente visavam atingir as classes pobres acabavam, por impossibilidade de redução dos custos da obra, não chegando aos seus verdadeiros destinatários, beneficiando a classe média.
É notável, portanto, que as idéias malthusianas ainda possuem muitos adeptos no tocante ao atual desenvolvimento do debate sobre o Welfare State e sua extensão de auxílio a parte mais pobre da população, principalmente por reacionários mais radicais que evocam teorias desenvolvidas e, de certo modo comprovadas empiricamente segundo seus seguidores, para afirmar assim como Thomas Malthus que qualquer tentativa de auxílio as classes mais pobres pode vir a causar sérias distorções dentro da própria sociedade.


 Bruno Tadeu Lopes S. de Moura - paideiense
André Luiz de Miranda Martins - Prof. Adjunto (CAA-UFPE)



BIBLIOGRAFIA
BROWNE, J. A Origem das Espécies de Darwin: uma biografia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007.

DARWIN, C. The origin of the species. New York: Bantam Books, 1999.

FEIJÓ, R. História do pensamento econômico: de Lao Zi a Robert Lucas. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

HIRSCHMAN, A. O. A retórica da intransigência: perversidade, futilidade, ameaça. São Paulo Companhia das letras, 1992.

LAMPEDUSA, G. T. Il gatopardo. Milão: Feltrinelli, 1959.

MALTHUS, T. R. Essay on population. In: SZMERECSÁNYI, Tomás (org.). Malthus. São Paulo: Ática, 1982.