terça-feira, 18 de janeiro de 2011

POLÍTICAS REACIONÁRIAS NA DISCUSSÃO DO WELFARE STATE: uma inserção das teorias sociais malthusianas no debate contemporâneo


INTRODUÇÃO

Após ler o Ensaio sobre o princípio da população em seus efeitos na melhoria futura da sociedade, com considerações sobre a especulação do senhor Godwin, senhor Condorcet e outros escritores (primeira edição, 1798), de Thomas Robert Malthus, Charles Darwin registraria a seguinte anotação, em seu diário de 1834: “ocorreu-me de imediato que, nessas circunstâncias, adaptações favoráveis tenderiam a ser preservadas, e as desfavoráveis, destruídas. Aqui, portanto, eu havia finalmente conseguido uma teoria com que trabalhar” (apud Browne, 2007, p. 52-3). Cerca de uma década depois, no prefácio de sua Origem das Espécies, explicaria Darwin que, em parte, sua teoria não era senão a doutrina de Malthus aplicada com grande ênfase ao reino animal e vegetal como um todo.
É plausível que se tenha aqui uma antecipação de alguns pontos da teoria da evolução darwiniana, ainda que os perfis intelectuais de Malthus – economista político com formação sacerdotal na Igreja Anglicana – e de Darwin – naturalista bem inserido na Inglaterra Vitoriana, mas pouco afeito aos ritos religiosos – apontem mais para divergências do que para convergências. “Certamente, ele [Malthus] não punha em questão sua fé na doutrina criacionista (...), e a teoria da evolução das espécies nem se colocava para ele” (Feijó, 2007, p. 151).
Mas merece destaque a incorporação por Darwin de um argumento, central, malthusiano: o da necessidade do ajuste dos seres humanos às condições da natureza, que são espontâneas e impõem limites à disponibilidade de recursos disponíveis para a sua sobrevivência. À base desta constatação, e postulando que “a paixão entre os sexos é necessária e permanecerá aproximadamente em seu presente estado”, Malthus formularia o seu clássico princípio que apontava a discrepância entre o crescimento da população e o da oferta de meios de subsistência. “Uma ligeira familiaridade com números mostrará a imensidade da primeira capacidade comparativamente à segunda” (Malthus, 1982, p. 56).
Certos da persistência das teorias sociais de inspiração malthusiana, nosso objetivo será ‘reler’ a sociedade no universo ideológico de Thomas Robert Malthus à base da abordagem de Albert O. Hirschman da intransigência ante as reformas sociais.


REFERENCIAL TEÓRICO

A ‘intransigência’ malthusiana

Para as classes laboriosas, o princípio da população malthusiano seria a base para uma exortação moral – incluída a partir da segunda edição do Ensaio – à “prudência no casamento”, vista como medida de contenção do crescimento populacional, e, por esta via, da pobreza. Não havia, com efeito, espaço no pensamento de Malthus para uma defesa das ajudas paroquiais aos pobres, bem como das medidas governamentais de assistência à pobreza, as Poor Laws da Inglaterra de seu tempo. Ao contrário: seu impacto seria uma redistribuição da renda que, ao alterar padrões de consumo (dos pobres, que ademais impulsionaram o crescimento populacional) e poupança (dos ricos), se mostraria perniciosa para o progresso material da sociedade – malgrado o alívio da “intensidade da desgraça individual” (Malthus, op. cit., p. 66) que pudessem proporcionar.
Dado que “o preço da mão-de-obra, quando se permite encontrar seu nível natural, é um barômetro político dos mais importantes, expressando a relação entre a oferta e a demanda de provisões” (op.cit., p. 74), qualquer movimento no sentido de uma redistribuição de renda distorceria o mercado. Assim, devido às Leis dos Pobres, os subsídios ao consumo pressionariam a demanda pelas “provisões consumidas nas casas de trabalho por uma parte da sociedade que não pode, em geral, ser considerada como a mais valiosa” (op. cit.: 76), com o que diminuiria “a porção que, de outra forma, pertenceria a membros mais industriosos e valiosos” (idem ant.: 77) e aumentaria o número de pessoas dependentes. Em outros trechos do Ensaio a concepção malthusiana dos trabalhadores – identificados à parte da sociedade “que não pode, em geral, ser considerada como a mais valiosa” –, é bem menos eufemística: mesmo quando a eles se apresenta a oportunidade de poupar, “raramente a utilizam; mas, falando de maneira geral, tudo o que ganham acima de suas necessidades presentes vai para a cervejaria” (op. cit., p. 78).
É certo que o Ensaio representou um ataque não só às concepções progressistas de Godwin e Condorcet – pensadores sociais que defendiam a melhoria na condição de vida das pessoas mais pobres da sociedade “pela ação de uma política social e pelo aprimoramento de instituições sociais tais como o casamento e o direito de propriedade” (Feijó, op. cit., p. 150); atacou, sim, e fundamentalmente, a crença iluminista na melhoria da condição humana que representavam. Aqui o alvo preferencial seria Condorcet que era um adepto direto das idéias que inspiraram a Revolução Francesa e tinha uma visão muito bem determinada sobre a igualdade entre os indivíduos dentro da nação.
Para que os fins deste trabalho sejam atingidos, é importante compreendermos em que fatores Malthus se baseia para argumentar que, no médio e no longo prazo, o crescimento populacional desenfreado seja devidamente controlado. Primeiramente, deve-se salientar que nosso autor interpretava o controle populacional como fruto de leis naturais; e que essas mesmas leis sempre fragmentariam a sociedade em classes. Em segundo lugar, a natureza atuaria de dois modos distintos para controlar a explosão demográfica: inicialmente entrariam em ação os fatores controladores que Malthus chamava de controles preventivos, que por sua vez alterariam a taxa de natalidade, por exemplo: esterilidade, abstinência sexual ou ainda o controle de nascimentos. Em seguida apareceriam os controles positivos que ampliariam as taxas de mortalidade como, por exemplo, pragas, miséria e guerras. Se, por acaso, esse controles por alguma razão falhassem, as classes pobres seriam vitimadas, e pela mais temível das ameaças naturais: a fome decorrente da baixa produtividade agrícola em detrimento da grande demanda por alimentos prevista por Malthus. Tudo isso garantiria a estabilidade da população dentro da oferta de alimentos.
As críticas malthusianas às chamadas Leis dos pobres ficariam evidentes em muitos de seus escritos e principalmente no seu Ensaio sobre a população, especificamente das partes intituladas: Sobre as leis de amparo aos pobres (capítulos V, VI e VII). Tendo em vista a classificação de Malthus entre os economistas clássicos, é muito clara sua idéia a respeito da relação direta existente entre um aumento da renda da classe trabalhadora e a ampliação dos preços de mercado. Nesse aspecto, no que diz respeito à relação entre oferta e demanda, pode-se dizer que a teoria malthusiana supera as análises de Ricardo em determinados pontos. Nosso autor percebeu que existia uma possibilidade de o aumento no número de compradores, proveniente da ampliação da renda, estimular os trabalhos produtivos e conseqüentemente ampliar o produto total da Inglaterra, contudo, nas palavras do próprio autor:

Poder-se-ia, talvez, observar que o aumento do número de compradores de cada artigo traria um estímulo aos trabalhos produtivos e que o produto total da ilha seria aumentado. Mas isso seria mais do que contrabalançado pelo estímulo que estas riquezas fantasiosas dariam ao crescimento populacional; e o produto ampliado seria dividido entre um número mais do que proporcionalmente ampliado de pessoas. (Malthus, op. cit., p. 67)

A principal forma de fugir desse pauperismo extremo seria a virtuosidade moral, que infelizmente não estava presente nas classes pobres – cuja  punição seria a sua contenção pela miséria e pelo vício. De um modo geral, podemos afirmar que Malthus transferia a culpa da situação degradante em que vivia a maioria da classe trabalhadora do sistema sócio-econômico vigente para um processo “natural” da sociedade em expansão. Por essa razão qualquer ajuda ou subsídio dado aos pobres seria inócuo já que a sociedade estava fadada a tais leis naturais. Por fim, cabe anteciparmos uma citação do próprio autor que será de vital importância para entender a análise a que este trabalho se propõe, ainda dentro da discussão sobre as ajudas as classes pobres. Malthus enxergou a possibilidade dessas provisões não chegarem ao seu destino final por uma série de fatores, tais como o seu desvio para uso privado (em festejos, por exemplo). “Todos concordam em que, de uma maneira ou de outra, ele deve ser muito mal administrado...”

Modelo democrático e das evoluções na esfera da cidadania

O modelo democrático é, sem dúvida, o sistema de governo mais difundido no mundo contemporâneo; essa grande difusão, principalmente ocidental, pela qual passou esse modelo obscureceu de certo modo aspectos que são passíveis de muitas críticas e que, segundo alguns autores, se ampliam a cada dia. Entre essas críticas uma pode ser notada com freqüência nas democracias mais antigas e estáveis: a falta de uma comunicação sistemática entre os grupos sociais, em particular, entre progressistas e reacionários. Esse isolamento pode acarretar uma série de entraves e discussões mal elaboradas por parte desses grupos e, consequentemente, conclusões precipitadas sobre várias formas de políticas públicas. No entanto é importante frisar que o próprio sistema democrático se estrutura em boa parte sobre grupos com opiniões divergentes acerca de questões políticas básicas. A partir do momento em que tais grupos se isolam dentro do sistema, certas dúvidas surgem a respeito de como o outro grupo chegou a se desenvolver e possuir determinado poder.
Hirschman (1992) nos remete a três importantes dimensões do conceito de cidadania desenvolvidas pelo sociólogo inglês T. Marshall: civil, política e social. Segundo Marshall, as sociedades humanas mais ilustradas confrontaram com êxito cada uma dessas dimensões, conquistando na cidadania civil, por exemplo, liberdades de palavra, religião e outra série de liberdades individuais além dos “Direitos Humanos” de um modo mais geral. A cidadania política desenvolveu-se bastante no século XIX com os direitos dos cidadãos a participar do exercício do poder político, que era estendido a camadas cada vez mais amplas da sociedade. Por fim, no século XX o Welfare State estendeu o conceito de cidadania para as esferas social e econômica, ao reconhecer que condições mínimas de bem-estar para os cidadãos eram extremamente necessárias para que houvesse um pleno exercício dos atributos civil e político citados anteriormente. Essa afirmação dos direitos da cidadania pensada por Marshall e a idéia que a luta nas esferas econômica e social estava muito próxima de terminar vitoriosamente sob a liderança do partido trabalhista (políticas de seguridade social) na Inglaterra foi alvo de várias críticas desenvolvidas por autores posteriormente. O fato é que no meio das contra-investidas colocadas pelos críticos e as idéias de Marshall desenvolveram-se lutas sociais e políticas convulsivas que, na maioria das vezes, levavam a recuos dos programas progressistas e a muito sofrimento e pobreza humana. Analisando essa alternância de ações e reações, Whitehead observaria: “Os grandes avanços da civilização são processos que quase arruínam as sociedades em que ocorrem.”

METODOLOGIA

A pesquisa é de natureza exploratória, tendo se baseado em técnicas de documentação indireta (pesquisa bibliográfica).

RESULTADOS

Mostra-se de suma importância analisar mais detidamente o papel das reações aos sucessivos avanços e principalmente a terceira onda reacionária que se traduz na crítica contemporânea ao Welfare State, mostradas de forma profunda na obra de Albert O. Hirschman.
A primeira reação é o movimento que se opôs a ideia de igualdade perante a lei e dos direitos civis em geral, sua análise baseou-se principalmente nas idéias plantadas pela Revolução Francesa e pela oposição contemporânea a todas as obras daquela. Sem dúvida que qualquer oposição à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão era motivada mais pelos eventos que levaram a sua publicação que pelo texto em si. Os críticos contra-revolucionários radicais recusaram-se a fazer distinções entre aspectos positivos ou negativos da revolução. De um modo geral, havia uma crítica muito forte dos textos que os revolucionários mais se orgulhavam.
A segunda onda reacionária se opôs à ideia do sufrágio universal. Nesse aspecto as críticas eram muito divergentes visto que, o processo de participação se deu de forma muito gradual. Pregavam-se os vícios que um sistema de ampla participação política poderia trazer e os perigos extremados que atingiam a sociedade como fruto do processo de democratização. Pode-se atribuir a essas teorias uma participação relevante na destruição da democracia na Itália e da Alemanha no período entre guerras e talvez, também pela virada antidemocrática da Revolução Russa.
Chegamos finalmente à terceira onda reacionária, que prioriza a crítica moderna ao Welfare State e a tentativa de se fazer recuar alguns de seus aspectos, que é o ponto chave do presente trabalho.
Em A Retórica da intransigência, Hirschman desenvolve, simetricamente à teoria de Marshall, três idéias fundamentais que ele próprio chama de teses para se analisar os mecanismos utilizados pelos reacionários com o objetivo de derrubar as políticas e os movimentos de idéias “progressistas” ,quais sejam: tese da perversidade, tese da futilidade e a tese da ameaça. Tais argumentos não são utilizados exclusivamente pelos reacionários, podem ser utilizados por qualquer grupo que se oponha ou tenha críticas a uma nova política colocada em vigor, inclusive por progressistas quando fizerem parte da oposição. Para o desenvolvimento deste trabalho devemos analisar fundamentalmente a chamada tese da futilidade que se baseia num sistema estagnado, não passível de mudanças.

Análise e aplicação da tese da futilidade em diferentes frentes

Este elemento do arsenal reacionário tem algumas características interessantes. Talvez a principal deles seja a simplicidade do próprio conceito, de um modo geral a tese da futilidade baseia-se em uma idéia de estagnação. Ao contrário da tese da perversidade, onde se prega que qualquer tentativa de mudança profunda na sociedade levará essa em uma direção oposta ao planejado, a tese da futilidade nos diz que qualquer tentativa de mudança social se torna irrelevante, pois toda mudança será, em grande medida, de fachada. Dito de outro modo, as raízes profundas do sistema social vigente permanecerão inalteradas. Albert O. Hirschman nos apresenta alguns exemplos interessantes da utilização dessa idéia; primeiramente é citada a análise feita por Tocqueville sobre a Revolução Francesa e as mudanças supostamente trazidas para a França e disseminadas pelo mundo por seus idealizadores que, segundo o autor citado, estariam em grande parte presentes já durante o período monárquico; entre elas podemos destacar a centralização administrativa, a agricultura em pequena escala e os direitos dos cidadãos.
Uma forma simples de se compreender a idéia da futilidade é atentar para o fato de que “se quisermos que tudo continue como está é preciso que tudo mude” (Lampedusa, 1959, p. 42.). Outro exemplo bastante elucidativo pode ser analisado na esfera política quando os reacionários pregam que uma transição de sistemas predominantemente hierárquicos para um sistema democrático não trará uma maior participação popular no processo político, visto que cada sociedade independente de sua organização política sempre estará dividida entre governantes e governados. O autor italiano Gaetano Mosca escreve de modo bastante direto e esclarecedor sobre o tema: “Seja qual for o caso, uma candidatura é sempre obra de um grupo de pessoas unidas por um propósito comum, uma minoria organizada que, fatal e inevitavelmente, impõem sua vontade à maioria desorganizada” (apud Hirschman, op, cit., p. 51). Portanto, autores como Gaetano Mosca, Vilfredo Pareto, entre outros, acreditam que “tanto na esfera política como na econômica, as aspirações democráticas estão condenadas à futilidade já que vão contra a ordem imanente das coisas” (idem ant., ibid., p. 54).

CONCLUSÃO

Nesta seção faremos algumas considerações sobre o estado atual do Welfare State, mesclado às ideias malthusianas e à tese hirschmaniana da futilidade:
          Os efeitos reacionários analisados anteriormente estão ligados a um dogma central presente principalmente na economia: a ideia de um mercado que se auto regula. Na medida em que essa idéia é dominante qualquer política que tenha por objetivo interferir nesse mercado (como é o caso dos programas destinados aos pobres) torna-se uma influência nociva em processos benéficos de equilíbrio.
Malthus tem uma visão bem determinada de como o status quo social é assegurado no longo prazo. Sua teoria de como os salários são determinados no curto e no longo prazo tornam fácil o entendimento da tese da futilidade dentro do Welfare State pelo autor. Malthus concorda que no curto prazo os salários são determinados pelas relações de oferta e demanda dentro do próprio mercado; no entanto, no longo prazo, os salários tendem a se equilibrar em um nível de subsistência por uma tendência inerente a qualquer sistema sócio econômico. Em um curto período de tempo os salários iriam oscilar entre um nível de equilíbrio pelas diferenças entre a oferta e a demanda no mercado de trabalho. Enquanto o salário permanecer acima desse nível de equilíbrio a parte pobre da população tende por sua falta de “virtuosidade moral” a ampliar o número de filhos e a esbanjar o dinheiro extra adquirido. Quando o salário estiver abaixo do nível de equilíbrio os pobres terão um meio forte de contenção do crescimento já que a baixa renda não permitirá uma elevação do padrão de vida nem da quantidade de filhos. De um modo geral, o salário tenderá a um nível fixo depois de certo período, dessa forma o próprio mercado auto-regulador controlará o bem estar social. Não há, portanto espaço para a intervenção de políticas públicas que tentem modificar a situação social vigente; qualquer tentativa nesse sentido será inócua.
Analisemos, do ponto de vista malthusiano, o que uma ampliação na renda dos pobres, por exemplo, causaria: primeiramente, por razões citadas anteriormente, o número de filhos tenderia a se ampliar o que elevaria, a priori, os preços dos bens disponíveis piorando a situação de outras classes sociais; a situação da classe pobre não iria se alterar, pois, tenderia por razões naturais (principalmente da oferta de mão de obra) a ficar num estado de estagnação. Visto deste modo, por mais bem intencionadas que sejam as ações políticas do Estado, a situação dos pobres estaria sempre dentro da esfera de atuação da tese da futilidade. Deve-se destacar mais uma vez a inclinação moral das classes pobres para o ócio, que era um ponto de vista muito vigente entre autores consagrados na época de Malthus, como Tocqueville, Burke ou Defoe que se referiam principalmente as Poor laws vigentes na Inglaterra da época e era um ponto fundamental para entender a não adequação desses autores ao Welfare State.
É fato que a visão reacionária, no tocante ao auxílio aos pobres, esta presente mesmo no século XX como podemos notar nas palavras do autor Charles Murray que faz um dos ataques mais contundentes ao Welfare State nos Estados Unidos em sua obra Losing Ground, de 1984: “Tentamos prover mais para os pobres e em vez disso produzimos mais pobres. Tentamos remover as barreiras para escapar da pobreza e inadvertidamente construímos uma armadilha.”
O trecho descrito acima está mais próximo da tese reacionária da perversidade onde uma ação com intuito de mudança social leva a sociedade a caminhos divergentes do esperado. A tese da futilidade se encaixa, de fato, antes desse processo de ajuda; mais exatamente no ponto onde o suposto auxílio é transferido para as classes pobres. “Nesse aspecto surge outra crítica possível. E se as transferências de pagamento de fato nunca chegarem aos beneficiários aos quais se destinam”?(Albert Hirschman, retórica da intransigência pág. 57). Desse modo se puder ser provada alguma plausibilidade no argumento citado haverá uma inversão dos papéis: os argumentos a favor do Welfare State poderiam ser considerados fraudulentos e seus críticos se tornariam passíveis de compaixão, enquanto seus defensores seriam acusados de beneficiar os interesses particulares de outrem.
Obviamente, a ideia descrita no parágrafo anterior é passível de críticas como, por exemplo, o fato de que para esses supostos desvios existirem seja necessário um nível razoável de corrupção dentro do próprio Estado. Os Estados Unidos, por exemplo, buscam evitar isso desenvolvendo métodos de avaliação financeira para que se garanta que o auxílio chegue a quem de fato necessita. No entanto, o presente artigo busca identificar atualidade das idéias malthusianas dentro da discussão do Welfare State e nesse aspecto, a visão reacionária pode ser invocada em grande extensão. Para alguns reacionários as ideias sociais de Malthus podem ser bem vistas dentro de economias emergentes onde a pobreza se mostra em sua face mais dramática. Existe ainda a defesa de métodos de controle populacional e a idéia da não intervenção estatal apregoada para esses países que em grande medida apresentam altos níveis de corrupção pública. No Brasil, por exemplo, grande parte da oposição política do governo critica os auxílios sociais colocados em prática pelo atual governo para ampliar o bem estar das classes mais necessitadas e questionam fortemente os resultados de tais políticas para o desenvolvimento econômico do país. O caso do setor imobiliário em outros países também é bastante esclarecedor nesse sentido: as habitações subsidiadas pelo governo que originalmente visavam atingir as classes pobres acabavam, por impossibilidade de redução dos custos da obra, não chegando aos seus verdadeiros destinatários, beneficiando a classe média.
É notável, portanto, que as idéias malthusianas ainda possuem muitos adeptos no tocante ao atual desenvolvimento do debate sobre o Welfare State e sua extensão de auxílio a parte mais pobre da população, principalmente por reacionários mais radicais que evocam teorias desenvolvidas e, de certo modo comprovadas empiricamente segundo seus seguidores, para afirmar assim como Thomas Malthus que qualquer tentativa de auxílio as classes mais pobres pode vir a causar sérias distorções dentro da própria sociedade.


 Bruno Tadeu Lopes S. de Moura - paideiense
André Luiz de Miranda Martins - Prof. Adjunto (CAA-UFPE)



BIBLIOGRAFIA
BROWNE, J. A Origem das Espécies de Darwin: uma biografia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007.

DARWIN, C. The origin of the species. New York: Bantam Books, 1999.

FEIJÓ, R. História do pensamento econômico: de Lao Zi a Robert Lucas. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

HIRSCHMAN, A. O. A retórica da intransigência: perversidade, futilidade, ameaça. São Paulo Companhia das letras, 1992.

LAMPEDUSA, G. T. Il gatopardo. Milão: Feltrinelli, 1959.

MALTHUS, T. R. Essay on population. In: SZMERECSÁNYI, Tomás (org.). Malthus. São Paulo: Ática, 1982.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

O neologismo "juridiquês"

Em homenagem ao meu grande amigo Anderson Serra segue texto:


No estudo do Direito, a linguagem vem ganhando cada vez mais destaque, o que não é de se estranhar, tendo em vista sua importância fundamental no processo cognoscível jurídico. É através da linguagem, escrita ou falada, que as decisões dos tribunais se tornam conhecidas, que é revelada a jurisprudência, que os doutrinadores se expressam, que os advogados, promotores, defensores e etc. exercem suas atividades laborais. De forma mais importante ainda: é pela linguagem que são conhecidas as normas jurídicas.
A linguagem é um dos principais recursos de que dispõem as ciências. É através dela que o cientista se expressa, passa adiante seus conhecimentos, bem como absorve outros, proporcionando o desenvolvimento histórico do saber humano.
Em seu trabalho, o cientista faz uso tanto de palavras normalmente usadas no cotidiano como de linguagem técnica, específica da ciência com a qual trabalha. O uso de termos e expressões específicas se dá por que muitas vezes a linguagem do cotidiano, que podemos chamar de geral, dá margem a interpretações ambíguas, vagas, imprecisas, o que acontece naturalmente devido à flexibilidade que uma palavra ou expressão pode ter no uso diário, dependendo do contexto em que é usada. Já as palavras e expressões ditas técnicas são mais precisas, tendo significado mais específico dentro de um ramo também específico da ciência. Dizer que as palavras técnicas, próprias ou específicas de determinada ciência tem significado mais específico não significa dizer que o uso destas não sujeite o texto a imprecisões ou incertezas, mas sim que seu uso diminui a imprecisão, proporcionando mais objetividade aos textos científicos.
Perceba-se que os ramos da ciência, ao fazer uso adequado da linguagem, buscam manter comunicação precisa, clara, objetiva, dentro do corpo científico, de forma que os termos específicos da ciência existem (ou deveriam existir) também e principalmente para alcançar esta finalidade.
Freqüentemente, vem o direito brasileiro sendo alvo de críticas devido ao uso de seu vernáculo específico. Alega-se que a linguagem jurídica, freqüentemente truncada e obscura, muitas vezes deixa de exercer sua função principal de comunicação, mesmo entre os cientistas e operadores do Direito, gerando, entre outros problemas, a morosidade no trâmite dos processos. Alegam também que o uso da linguagem atualmente existente no meio jurídico promove um caráter antidemocrático ao Direito, pois a maioria da população não tem como ter acesso independente ao mundo jurídico por não entender o seu linguajar, de forma que o seu acesso à Justiça termina sendo prejudicado.
Há até termo específico para se referir ao fenômeno. Trata-se do neologismo “juridiquês”.
É certo que todos os ramos científicos têm seus termos e expressões técnicos, fica claro também a importância destes termos e expressões para o entendimento e desenvolvimento do campo científico. Por que estaria então o Direito sendo alvo de tantas críticas?
Há basicamente dois pontos capitais que merecem destaque. O primeiro ponto a ser observado é que a linguagem jurídica atualmente usada no Brasil, além de possuir termos técnicos, possui também termos rebuscados, arcaicos, que além de não acrescentar conteúdo ao texto, propiciam a sua não compreensão até mesmo entre os profissionais do Direito. Nesse sentido afirma Hélide Santos Campos, professora da Unip de Sorocaba “termos técnicos têm que ser mantidos, pois têm significado próprio. Já os arcaísmos podem ser substituídos”.
O segundo ponto de destaque é que as normas jurídicas são feitas para serem cumpridas por todo o corpo social, seu uso e observação não se verifica apenas entre os profissionais do Direito. Nesse sentido, não tem lógica que as leis, resoluções, sentenças etc. sejam escritas em linguagem inacessível aos leigos.
Como resolver os problemas relacionados a essas dificuldades, principalmente no que se refere à última, tendo em vista que a população em geral não tem acesso aos termos técnicos jurídicos, nem estes podem deixar de ser usados, devido à importante função que exercem dentro da ciência jurídica?
Inicialmente, há de se aprender a diferenciar a “linguagem da Ciência Dogmática do Direito”, com termos técnicos específicos, imprescindíveis a uma comunicação exata entre cientistas jurídicos, e a “linguagem do Direito”, onde deve se buscar a maior acessibilidade possível, procurando, dentro do possível, diminuir o uso de termos específicos da ciência jurídica e eliminando arcaísmos e construções gramaticais labirínticas que prejudicam a comunicação.
Há de se ter sempre em mente que o uso da linguagem tem a finalidade de comunicação. Esse é o intento dos termos técnicos dos diversos ramos científicos, não o contrário como podem alguns pensar. Assim, os termos técnicos próprios da Ciência Jurídica devem sim ser usados dentro de trabalhos acadêmicos, em obras Doutrinárias e outros documentos predominantemente técnicos, da mesma forma que devem continuar a ser usados expressões específicas em trabalhos científicos ou técnicos de engenharia, medicina, matemática, geologia e etc.
Por sua vez, devem os textos direcionados à população como um todo ser adequados de modo a ter característica eminentemente pública e democrática. São exemplos deste tipo de textos as leis, as decisões judiciais, as certidões e declarações fornecidas por órgãos do poder judiciário, os comunicados destes órgãos, etc.
Por fim, os arcaísmos, rebuscamentos, construções sintáticas labirínticas que não acrescentam sentido, usos de palavras e expressões aparatosas que não fazem outra coisa além de mostrar (há controvérsias) vasto vocabulário, devem todos estes ser evitados devido à sua falta de funcionalidade e mesmo pela sua capacidade de embaraçar o entendimento dos textos, este último entendimento se aplicando tanto à “linguagem da Ciência Dogmática do Direito” quanto à “linguagem do Direito”.
Acompanhemos exemplo típico de Juridiquês com tradução da professora Hélide Santos Campos:
V. Ex.ª, data máxima vênia, não adentrou às entranhas meritórias doutrinárias e jurisprudenciais acopladas na inicial, que caracterizam, hialinamente, o dano sofrido.
Tradução: V. Ex.ª não observou devidamente a doutrina e a jurisprudência citada na inicial, que caracterizam, claramente, o dano sofrido.
Percebe-se que a linguagem do texto não traduzido, com uso de termos pomposos e sofisticados, não tem a finalidade de proporcionar comunicação mais exata, apenas torna a linguagem mais rebuscada. Isso fica evidente após lermos a tradução, quando percebemos que com uso de linguagem bem mais acessível, podemos manter comunicação mais eficaz sem ter prejuízo algum em relação ao conteúdo do texto.
Observemos este outro exemplo do advogado Sabatini Giampietro Netto:
Com espia no referido precedente, plenamente afincado, de modo consuetudinário, por entendimento turmário iterativo e remansoso, e com amplo supedâneo na Carta Política, que não preceitua garantia ao contencioso nem absoluta nem ilimitada, padecendo ao revés dos temperamentos constritores limados pela dicção do legislador infraconstitucional, resulta de meridiana clareza, tornando despicienda maior peroração, que o apelo a este Pretório se compadece do imperioso prequestionamento da matéria abojada na insurgência, tal entendido como expressamente abordada no Acórdão guerreado, sem o que estéril se mostrará a irresignação, inviabilizada ab ovo por carecer de pressuposto essencial ao desabrochar da operação cognitiva.
Tradução: Um recurso, para ser recebido pelos tribunais superiores, deve abordar matéria explicitamente tocada pelo tribunal inferior ao julgar a causa. Isso não ocorrendo, será pura e simplesmente rejeitado, sem exame do mérito da questão.
Neste exemplo fica exposto que, além de a linguagem inicial em nada acrescentar em conteúdo e prejudicar a comunicação, ainda proporciona um aumento significativo do tamanho do texto, o que em um processo com tantas outras peças, como petições iniciais, contestações, despachos e etc., torna o processo muito maior do que deveria, acarretando demora no tempo de tramitação dos autos.
Observemos agora mais dois textos extraídos de processos cíveis (alguns dados foram removidos para preservação da intimidade das partes):


Ação de Divorcio Litigioso Direto nº
Requerente: XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
Requerida: Paula XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX.

S E N T E N Ç A


Vistos, etc.
           XXXXXXXXXXXXXXXXXXX, através de advogado legalmente habilitado, ajuizou a presente ação de Divorcio Litigioso em face de XXXXXXXXXXXXXXXXXXX, aduzindo, em síntese, que é casado com a requerida desde 06/12/2000; que dessa união não nasceram filhos; que o casal não possui bens a partilhar e encontra-se separado de fato desde o ano de 2005, portanto, há mais de dois anos. Requereu a intervenção do Ministério Público a citação da requerida e a procedência do pedido. Juntou os documentos de fls. 04/07.  Regularmente citada pela via editalícia, deixou escoar “in albis” o prazo contestatório, sendo decretada sua revelia e nomeado curador, em audiência de Instrução realizada às fls. 22. Foram ouvidas três testemunhas, que confirmaram o fato narrado na peça exordial. Com vistas ao M. Público,este ofereceu parecer favorável à decretação do divórcio do casal, ante a observância dos preceitos legais atinentes à espécie.
É o relatório. Decido.
Considerando satisfeitas as exigências legais, DECRETO A EXTINÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL, com fulcro no art. 1.571, inciso IV, c/c o art. 1.580, § 2º, ambos do NCC, extinguindo a sociedade conjugal de XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX e XXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, voltando a cônjuge varoa a usar o seu nome de solteira, ou seja: XXXXXXXXXXXXXXXXX. Após o trânsito em julgado, expeça-se o mandado de averbação ao cartório competente. Publique-se. Registre-se. Arquive-se.
XXXXXXXXXXXXXXXX, 22 de dezembro de 2009.


XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
Juiz de Direito

Na presente sentença encontramos uma linguagem objetiva e exata, não dificultando o entendimento do texto. Destacamos, porém, algumas palavras que poderiam ter sido substituídas por outras, de forma a tornar o texto ainda mais claro, assim: a expressão “via editalícia” poderia ser substituída pela expressão “por edital”, que é bem mais conhecida, mais curta e não prejudica a significação do texto; já “in albis” é expressão latina que significa “em branco”, ou seja, sem nenhuma providência, no contexto acima “sem manifestação”; peça exordial é o mesmo que peça ou petição inicial, sendo esta última mais conhecida; com fulcro tem o mesmo significado de “com base”, “com fundamento”, neste último caso não entendo como expressão técnica, trata-se apenas de palavra menos conhecida no linguajar cotidiano, podendo qualquer outro termo habitual como “fundamentado” exercer a mesma função sem qualquer prejuízo. Vamos ao segundo exemplo:

SENTENÇA


Vistos, etc...
           Cuida-se de ação de Alvará Judicial ajuizada pelo Sr. XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX com o fito de ver liberada a quantia existente na conta bancária nº 0000000000 tipo 00 no Banco Bradesco S/A existente em nome do autor.
            Em despacho de folhas 07/13 foi determinado a requisição de informações ao banco indicado na exordial; em resposta a este juízo a instituição bancária declarou a inexistência de numerários na conta indicada.
            É o Relatório. Decido.
            Reza o art.269, inc. I do CPC que o juiz rejeitará o pedido do autor com a resolução de mérito, no caso vertente encontra-se óbice legal para deferir o pleito da parte autora ante a inexistência noticiada pelo banco, não restando outra alternativa ao magistrado se não a rejeição do pedido exordial.
           Ante ao exposto extingo o processo com a resolução do mérito nos moldes do art.269 inc.I do CPC.
           Custas ex leges, já satisfeitas pelo autor.
           P.R.I
Arcoverde/PE, 29 de Abril de 2010.

Podemos fazer as mesmas observações feitas ao exemplo anterior no que se refere à expressão “exordial”. Ex leges, por sua vez, significa “da lei” ou “previsto (a)” em lei” e poderia ter sido substituída por uma destas duas últimas fórmulas.
Vale observar que as dificuldades no entendimento do conteúdo dos textos jurídicos por não profissionais da área se dá não apenas pelo uso de termos técnicos ou do juridiquês. O nível de escolaridade também influência a intelecção, de forma que um dos caminhos que devem ser buscados, a fim de que o conteúdo dos textos seja mais facilmente assimilado, é o aumento da escolarização da população em geral. Pessoas mais instruídas tendem a encontrar menos dificuldades em suas leituras, mesmo quando estão lendo conteúdo informativo de caráter científico e nesse texto se encontram termos e expressões de natureza técnica.


Raul Teixeira Cavalcanti - paideiense
 


LÍNGUA Portuguesa (www.revistalingua.com.br); Ano 1, número 2, 2005. Artigo: JURIDIQUÊS no Banco dos Réus. Acessado em 05 de novembro de 2010.

RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2000

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Um pouco sobre Etnocentrismo

     Prezados amigos, segue pequeno texto à respeito do etnocentrismo:


Uma visão etnocêntrica é constituída no momento em que usamos nossos valores, modelos e definições pessoais ou de nossos grupos, como sendo o centro de tudo, ao passo que as demais sociedades passam a ser consideradas inferiores quando comparadas com os nossos valores subjetivos.

O choque do “Eu”, (sociedade que se acha “superior”, visão única e melhor possível) com o “Outro” (sociedade dita “inferior”, onde tudo é absurdo, insipiente, anormal), gera o fenômeno etnocêntrico que nada mais é que interpretação perante a presença das diferenças humanas.

O etnocentrismo proporcionou ao “Eu” traduzir a sociedade do “Outro”, forjando-a. Como diria Everardo Rocha “o etnocentrismo passa, exatamente, por um julgamento do valor da cultura do “outro”, nos termos da cultura do “Eu”.

No século XIX, os povos do continente europeu, baseados numa corrente do Positivismo, o Darwinismo Social, afirmavam que a sociedade evoluía linearmente, raciocínio que permitia a afirmação de que os índios das Américas eram verdadeiros “fosseis vivos” da civilização europeia, pois estes também já teriam sido “selvagens”, estando porém mais avançados ou evoluídos num grau de “civilidade”.

Tais concepções justificaram que os índios - considerados não pelos europeus não civilizados, selvagens, bárbaros, “qualquer coisa menos humanos” - fossem submetidos, à força das armas, a uma “Missão Civilizadora”, oportunidade em que eram obrigados a trabalhar a força.

Eis um dos aspectos preocupantes do etnocentrismo, fundamentar degradação de culturas diferentes, às vezes exterminando povos, como, por exemplo, o extermínio a que foram submetidos os índios Caingangue.

Tal fenômeno também ocorreu na época do nazismo, momento em que os ditos “arianos” consideravam-se superiores aos demais, invocando o nacionalismo extremista, causando, dentre outros desastres o genocídio praticado contra o povo judeu.

O antropólogo teuto-americano Franz Boas (1858/1942), teve importante participação no processo de ruptura do pensamento evolucionista social, passando destacar a importância de estudar as culturas nas suas particularidades, mudando o pensamento do “Eu”, de forma a permitir a reflexão da outra cultura, possibilitando que esta seja visualizada como uma alternativa social, e não uma ameaça.

A obra de Boas é importante referencial no processo de desvinculação da antropologia em relação à história, como bem aduz Everardo Rocha afirmando que “a antropologia se desvincula da história e parte para o estudo da sociedade do “Outro” sem se preocupar com o passado desta sociedade”.

A relativização cultural ganhou mais espaço, permitindo a procura de um saber mais profundo do “Outro”. Por sua vez, a complexificação do “outro” como objeto de estudo, trouxe também uma série de reflexões que relativizam os conceitos de culturas nos mínimos detalhes.

Entendemos que a antropologia ao relativizar o ser humano, buscando entender o “Outro”, torna-se uma das matérias mais importantes para o estudo do homem em toda a sua plenitude, como ser multicultural

 
ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é Etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 2006.


Simonal Vanderley e Raul Teixeira Cavalcanti - paideienses

terça-feira, 18 de maio de 2010

O Brasil se constitui numa “democracia racial”?

Ilustres amigos, segue resumo comentado do livro O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil de Darcy Ribeiro. Gostaria que vocês o comentassem:
A nação brasileira é miscigenada, ou seja, há uma mistura de povos de vários continentes, entretanto, prevalece neste país, o enorme contingente negros e mulatos, que é, talvez, o mais brasileiro dos componentes de nosso povo, não existindo, em nosso país, negro africano ou branco reinol.
Vale a pena dizer que o povo brasileiro é um povo novo, feito de gentes vindas de toda parte, em pleno e dinâmico processo de fusão. Ocorrendo efetivamente uma “morenização” dos brasileiros, que se faz tanto pela “branquização” dos pretos, como pela “negrização” dos brancos. 
Entretanto, não é garantida a democracia racial a todos os brasileiros, pois esta não se resume apenas ao direito de votar e ser votado. Este aspecto é apenas um dos pontos democráticos. No Brasil, o que de fato existe é um "racismo assimilacionista" que faz com que o negro adquira os comportamentos brancos, incorporando-se a cultura ocidental, sem ter sua identidade cultural efetivamente respeitada. Assim, nossa sociedade adquire um aspecto de democracia, quando na verdade o processo citado acima só faz com que o negro não perceba as violências sociais que sofre e das quais somente através da revolução cultural/social poderá se livrar. 
Ao passo que muitos não percebem a realidade, a maioria dos analfabetos e das vítimas de crimes violentos letais intencionais (homicídios, latrocínios), são negros. Fatos que traduzem a ineficácia da sociedade brasileira no cumprimento das normas constitucionais programáticas, ou seja, aquelas que têm como fim estabelecer diretrizes que devem ser o perseguidas pelo Governo, no sentido de tornar a sociedade mais justa humana e solidária.
A respeito disso, Darci Ribeiro afirma que "a forma peculiar do racismo brasileiro decorre de uma situação em que a mestiçagem não é punida mas louvada. (...) Essa situação não chega a configurar uma democracia racial, como quis Gilberto Freyre e muita gente mais, tamanha é a carga de opressão, preconceito e discriminação anti-negro que ela encerra”. Não o é obviamente, porque a própria expectativa de que o negro desapareça pela mestiçagem é um racismo. 
Na opnião de Darcy Ribeiro, o racismo assimilacionista praticado no Brasil é pior que o Apartheid: “o apartheid induz a profunda solidariedade interna do grupo discriminado, o que o capacita a lutar claramente por seus direitos sem admitir paternalismos”; já no Brasil, dilui-se a negritude numa vasta escala de gradações de tons de pele e de elementos culturais, que quebra a solidariedade, reduz a combatividade, insinuando a ideia de que a ordem social dominante é uma ordem natural, senão sagrada, e, portanto, o negro perde sua identidade sob a influência dessa força alienante.  
Portanto, somente quando alcançarmos esse objetivo de diminuição das desigualdades, teremos uma real democracia racial.


Simonal Wanderley - paideiense


Fonte: Ribeiro, Darcy 1922-1997. O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil/Darcy Ribeiro – São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

 

terça-feira, 27 de abril de 2010

Resumo de A Origem da Desigualdade Entre os Homens

ROUSSEAU, Jean-Jacques. A origem da desigualdade entre os homens. Editora Escala – São Paulo/SP, 2007. 2ª edição.

O homem nos é apresentado como bom por natureza, de forma que os costumes degeneram-no à medida que os povos desenvolvem complexas formas de organização social. É a partir do momento que resolve viver em sociedade que as desigualdades aparecem. Parte-se da indagação a respeito da verdadeira natureza humana, de forma que somos conduzidos a perguntar o que é o homem natural, só podendo ser alcançada a resposta a esta pergunta se for possível retirar o conhecimento cultural do homem civilizado. Para conhecer o homem natural seria preciso imaginar o homem desprovido de razão, guiado predominantemente por impulsos naturais. Chega-se a conclusão de que, mesmo antes do uso da razão, a vida humana é orientada por dois princípios básicos: o sentimento de auto-preservação e o de comiseração. São analisadas as desigualdades existentes entre os homens por dois aspectos: a desigualdade física e a desigualdade política ou moral. A desigualdade física, por ser natural, não submeteu um homem a outro, uma vez que mesmo que o mais forte pudesse submeter o mais fraco ao seu alvedrio, este teria dificuldade de impedi-lo de fugir e passaria a viver numa vida de insegurança que tornaria sua vida mais dificultosa depois de ter o mais fraco sobre o seu jugo do que antes disso. O homem natural é descrito como homem solitário provido apenas de razão potencial. Nesta situação, tende a se proteger, mas não comete, de modo geral, mal a outrem, devido ao sentimento de comiseração. Sem sentimento de aprovisionamento, o homem natural é robusto e tem a capacidade de desenvolver diversas habilidades, tendo sempre a capacidade de aperfeiçoá-las. Desta habilidade, denominada perfectibilidade, surgem gradativamente as alterações que vão fazer com que o homem deixe de viver isoladamente e passe a viver em sociedade, ocasião em que surgem as desigualdades políticas entre os homens. Em momentos em que se apresentavam dificuldades no meio, o homem era obrigado a superá-las, nestas superações ele adquiria conhecimentos empíricos. Surgem abrigos artificiais e atividades como a caça e a pesca. Os abrigos fazem com que os humanos se fixem com mais frequência e que desenvolvam laços familiares. Nestas circunstâncias, a língua gradativamente se desenvolve, permitindo que os conhecimentos adquiridos sejam transmitidos com mais facilidade. As famílias passam a viver mais próximas umas das outras para saciar suas necessidades, surgindo as primeiras comunidades. Surge a ideia de posse, sendo esta relacionada ao trabalho de produzir e conseqüentemente ao indivíduo produtor. Surgem a metalurgia e a agricultura, esta última cria relação mais íntima entre o cultivador e a terra cultivada, de forma que este tem a posse da terra para plantar e o fazendo por anos consecutivos passa a ter o solo sob o seu domínio não mais temporariamente, surgindo assim a propriedade privada. Aparecem os ricos e os pobres e as atividades produtivas passam a ser divididas. As desigualdades sociais vão sendo acentuadas, passando a existir por parte dos que tem grandes posses o interesse de as manter, bem como aumentar seu poder, apropriando-se de bens alheios; por sua vez os desprovidos de bens têm o interesse de se apropriar deles para satisfazer a suas necessidades. É dentro desta situação caótica que os homens resolveram estabelecer leis para se proteger; uns para protegerem suas propriedades e outros para se proteger das arbitrariedades dos mais poderosos, neste momento efetiva-se o surgimento da sociedade, bem como a sedimentação das desigualdades. Tendo em vista que o modelo inicial de instituição foi voluntário, ele não poderia ter sido despótico, já que o homem é provido do sentimento natural de liberdade. Sendo assim, as primeiras formas de governo, que deveriam ter surgido de forma eletiva, poderiam ser monárquicas, aristocráticas ou democráticas, dependendo de quantas pessoas eram consideradas aptas a governar.
O desvirtuamento dessas formas de governo pela ambição de alguns é que deu origem a estados autoritários e despóticos, onde surgem os escravos, pessoas que estariam totalmente desvinculadas do poder político. Era impossível o não desenvolvimento do desvirtuamento das instituições, tendo em vista o fato de o início do estado já estar marcado pelo interesse pessoal, intrinsecamente relacionado ao desejo de posse, de forma que as instituições não seriam mais que uma forma de os mais poderosos protegerem seus bens e continuar a obtê-los, agora protegidos por um sistema de normas. A saída do estado natural para a sociedade também não poderia ser impedida, já que o homem é acompanhado pela perfectibilidade.
Conclui-se que dos acontecimentos relacionados à perfectibilidade surgem as desigualdades entre os homens. O surgimento da propriedade divide os homens entre ricos e pobres, o surgimento de governos divide-os entre governantes (poderosos) e governados (fracos) e o surgimento de estados despóticos divide os homens entre senhores e escravos.

Palavras-chave: Homem bom por natureza. Auto-preservação. Comiseração. Perfectibilidade. Desigualdades sociais. Surgimento de leis. Sedimentação das desigualdades.

Raul Teixeira Cavalcanti - paideiense

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Nascimento

Este sítio dedica-se à reunião de pessoas com a finalidade de desenvolver as potencialidades humanas, mediante a troca do saber humano em sua totalidade.